
PEDRO
ESPERA
Ensaio selecionado no Edital Nacional do Itaú Cultural - Arte Como Respiro.
"Definindo-se como um “fotógrafo de gente”, um retratista em isolamento também deve lidar com interregnos. Em tempos de saudades e vazios, Pedro espera.
Com este título, a série de imagens do fotógrafo Pedro Dias inscreve o perto que não se vê. “Minha fotografia é feita por pessoas e diferentes lugares. Então, de repente, não poder me locomover ou ter contato presencial foi um choque, mas foi justamente o que me abriu os olhos para outras coisas”, afirma.
Os registros relatam a passagem do tempo em um só dia, contando de sonhos e visões à localização física e período histórico. Para isso, as fotos transitam entre o abstrato e o literal."
Em entrevista para o Itaú Cultiral,
por Milena Buarque Lopes Bandeira.




Por enquanto, o nosso canto é entre quatro paredes
Como se fosse pecado, como se fosse mortal
Segredo humano, pro fundo das redes
Tecendo a hora em que a aurora for geral.
Como Se Fosse Pecado - Belchior.




Pedro Espera
São José dos Campos, SP
Pedro Dias, 2020.
Clipping:


Publicação digital
Entrevista completa
para o Itaú Cultural,
por Milena Buarque Lopes Bandeira.
(entrevista na íntegra)
- Do que fala a sua série e como ela foi realizada?
Sendo um fotógrafo de viagem com as fronteiras fechadas e um retratista em isolamento, uma história de saudade de muitos foi contada por meio de autorretratos.
Me defino como fotógrafo de gente. Minha fotografia é feita por pessoas e diferentes lugares, então de repente, não poder me locomover ou ter contato presencial foi um choque, mas foi justamente o que me abriu os olhos pra outras coisas. Pro que estava ainda mais perto e eu não via ou não mostrava.
Em isolamento, a única forma de ter alguém em minha foto era saindo de trás da câmera e encarando minha própria lente, o que nunca havia acontecido e agora é uma nova forma de linguagem que carrego. Falei sobre mim, mas também me usei pra contar a história de outros. “Pedro espera” fala de saudade em tempos de isolamento e da ansia por respirar o mundo enquanto trancado. Da luta interna pra viver bem consigo mesmo enquanto nos sentimos impotentes por não conseguir melhorar a vida de outros. Fala das nossas diárias relações com o que nos cerca fisicamente (offline), onde nos apoiamos com o que temos, como aquele privilegiado canto onde bate um sol.
A série relata a passagem do tempo em um só dia. Contando de sonhos e visões, à localização física e período histórico. Para isso, as fotos transitam entre o abstrato e o literal, entre o lúdico e o documental.
Falando sobre uma rotina pessoal com um olhar tão próximo que chega a despir o fotografado, o ensaio possui fotos íntimas e cria de imagens nostálgicas de imaginações quase infantis (foto da folha, com um formato de boca) à lembranças afetivas (foto do banheiro) e desejos sexuais em meio à um período de isolamento social (foto da mão segurando o edredom).
As fotos foram feitas na casa dos meus pais, que me salvaram na pandemia da COVID-19, me acolhendo mais uma vez quando perdi todos meus trabalhos e possibilidades do ir e vir.
Como as fotos seriam sobre mim e o que me cercava, tudo o que eu precisava já estava lá. Mas ao invés de começar a fotografar imediatamente, passei os primeiros dias me proibindo de usar a câmera pra poder me perceber e perceber melhor o espaço ao redor. O que era importante para saber o que falar e como falar disso, montando tudo primeiro na imaginação e bloco de notas.
Quando vi o edital restavam menos de uma semana, então fiz um roteiro de que fotos seriam feitas em cada dia (por estar dividindo um espaço e ter uma narrativa que se passa em um só dia, o horário em que seria feita a foto importava muito), e então na maioria das fotos usei um tripé, ás vezes suspenso por uma corda e também um dispositivo para acionar a câmera à distância. Tudo com luz natural, o que condiz com a narrativa.
A edição foi também diferente, já que em tempos de isolamento, o encontro pra mostrar um trabalho e a troca de idéias e sentimentos, que tanto gosto e aproveito, não eram possíveis. Mas diferença essa que também foi bem usada para a série, já que essa falava também sobre “se bastar mais”, por exemplo. Tive assim uma fala ainda mais pessoal, interna e original nessa essa edição.
- Como ela dialoga com o contexto atual?
No começo da pandemia eu senti muita frustração por não poder fotografar pessoas na rua, fotografar uma das “caras do problema”, como trabalhadores arriscando suas vidas sem suporte do estado ou reconhecimento na sociedade. Então no começo, na verdade, eu fui quase que forçado à linguagem do autorretrato pra abordar um tema pessoal, já que era o que estava ao meu alcance. Abordei um tema pessoal e interno, que era ao mesmo tempo, comum entre muitos em momentos de isolamento social. Me usei pra contar a história também de outros.
A série fala sobre saudade, sobre necessidade de conviver consigo mesmo. Fala de um anseio de respirar o mundo enquanto trancado. Da sensação de impotência e frustração ao ter que lutar contra problemas internos enquanto pessoas sofrem ainda mais lá fora. É sobre lutas internas e cotidianas, de dias às vezes intermináveis. Questões que nunca foram assunto pra minha fotografia, mas que viraram um grande questionamento meu quando vi que apesar de comum entre muitos dos que conheço neste momento da pandemia do Covid-19, não estavam presentes nos jornais que meus pais assistiam na TV, por exemplo.
O ensaio reflete por mim o anseio de muitos, que apesar da ansia em ajudar “lá fora”, precisaram cuidar do que está dentro.